domingo, 31 de janeiro de 2010

Em São João Del Rey

Hoje estamos em São João Del Rey, paramos um dia para descansar e aproveito para mandar notícias.

Dentre as histórias e reflexões desses últimos dias de viagem, há algumas escolhidas, cujas histórias seguem abaixo.


O psicopata

Estávamos eu e o Nelson na estrada, eu ia à frente por alguns quilômetros, mas reduzi para esperá-lo. Quando nos encontramos, coincidiu de no mesmo local estar passando um homem com um carrinho, daquele tipo de carregar caixas, mas transformado em uma prateleira, com as suas coisas. Ia o homem empurrando o carrinho à frente, quando o Nelson passou por mim e pediu que eu parasse. Eu disse que mais adiante seria melhor, pois senti algo de errado com aquele homem. Nelson, não percebendo a sua presença, e um pouco nervoso devido à complicação que teve com uma troca de pneu, quis parar ali mesmo. O homem se aproximou, perguntou de onde vínhamos, e nos disse que vinha do Rio de Janeiro. Queixou-se dos caminhoneiros que não lhe davam carona. "Se eu pudesse matava um deles", nos disse. Queixou-se também furiosamente do tempo de chuvas. Pediu-nos café, e ante a nossa negativa, foi-se. Depois fiquei pensando na conversa que tivemos com o homem, pois a cada frase que eu dizia, por mais simples e objetiva que fosse, ele parava a pensar, como se quisesse saber o que eu realmente queria dizer com aquilo. Pareceu-me um sujeito perigoso, e espero que nenhum caminhoneiro tenha lhe oferecido carona depois do nosso encontro.


Não liga que meu pai é pastor

Essa frase foi dita pelo Estêvão para o Nelson, quando eu ainda não o conhecia. "Quando você estiver aqui em casa vai ver umas bíblias e livros religiosos, e como você é estudante de história, quis avisar você." As palavras podem não ter sido exatamente essas, mas o teor do alerta era esse. Suponho que o Estêvão e a sua família já tenham sofrido preconceitos devido à religião, ms fomos respeitosamente conhecer a sua casa e nos hospedar lá. Durante o dia que estivemos lá, conhecemos pessoas simples, educadíssimas, e participantes de obras sociais como deveriam ser todos os religiosos, algo muito diferente do estereótipo apresentado nos "shows da fé" ou nos profetas que ficam nas praças com uma bíblia na mão tantando nos convencer que a sua religião é a melhor.


O dinheiro é a minha religião

Partimos cedo no dia seguinte, e paramos na casa de uma amiga de Estêvão, que havia nos convidado para almoçar lá. Havia sido combinado de chegarnos às 13.00 hs, e assim fizemos, com um pequeno atraso na localização do condomínio. Ficamos todos surpresos com o local, muito diferente da simplicidade que eu esperava, pois havia entendido que ele conhecera a menina num encontro relacionado à igreja. Aguardamos por alguns minutos na portaria, fomos recebidos e embarcamos em um carro em direção ao interior do condomínio, que mais parecia um bairro de luxo. Andamos talvez uns quatro km no carrão pilotado pela irmã mais velha, que não trocou uma palavra conosco. Quando chegamos no local, um ambiente que não pode ser descrito como suntuoso, mas impressionante, nos deparamos com uma mesa, onde estavam a anfitriã, mãe da menina, e mais duas pessoas de idade, uma a cada lado seu. O homem, que estava de costas, ignorou a nossa presença, enquanto a mulher, de frente, apenas nos observou. A mãe, anfitriã, nos cumprimentou e perguntou se queríamos tomar um banho antes. Eu respondi que normalmente tomamos o banho ao final do dia, mas considerando a presença dos anfitriões à mesa e a oferta, o melhor seria o banho. Fomos encaminhados até dois apartamentos próximos, de frente para uma bela paisagem, como se vê das melhores pousadas serranas. Quando retornamos para o almoço, já nos sentindo pouco à vontade, nos sentamos mais à ponta da mesa, quando o homem e a mulher que lá estavam se levantaram. Ficamos sabendo que em alguns minutos a família toda teria que sair, e deveríamos almoçar rapidamente por isso. A conversa que seguiu foi bizarra, e durante as rápidas garfadas tivemos que responder à inquisição da anfitriã, que antes de mais nada, queria saber como podíamos fazer uma viagem assim, de onde tirávamos os recursos. Ora, eu não perguntaria de onde ela arranja dinheiro para pagar as contas da sua casa, creio que a educação não vem junto com o dinheiro. Terminamos o almoço rapidamente para que eles pudessem dar andamento à sua rotina, e ainda tivemos que ir de carona com essas pessoas até a portaria, pois as nossas bicicletas tiveram que ficar por lá. Ademais não acharíamos o caminho de volta, embora nossa vontade fosse de sair correndo dali. Embora eu não tenha me sentido humilhado, pois achei até engraçado o ridículo da situação, essa experiência gerou muitas reflexões. Também não soubemos identificar o pensamento daquelas pessoas. A impressão que tivemos, é de que pensavam que éramos vagabundos ou mendigos. Fico pensando... qual a idéia desse convite? para ter algum assunto? para nossa anfitriã chegar à noite e dizer para o seu marido "sabia que enquanto você está trabalhando tem uns vagabundos andando por aí de bicicleta?" vai entender...

Minha conclusão do episódio é: seja cuidadoso quando te oferecem algo, pois nem todos fazem isso para te apoiar.


Camping Jabaquara

Em Parati (ainda não sei se com i ou y), ficamos no Camping Jabaquara. Na portaria, Antônio, um homem com cerca de 70 anos, nos recebeu e mostrou boa-vontade em nos dar um desconto, ou seja, pagaríamos a diária que pagariam aqueles que ficassem ao menos três dias, o que não era o nosso caso. Ao final do segundo dia, deu-nos uma notícia: o seu patrão nos ofereceu mais uma diária de cortesia, para que descansássemos melhor. Agradecemos e aceitamos a cortesia. Na última noite quase houve uma confusão, protagonizada por mim e um campista que chegou embriagado e resolveu pôr som alto em frente ao nosso acampamento. Dormi como pude, e no dia seguinte, pela manhã, quando guardávamos nossas coisas para partir, vi o referido campista se dirigindo ao banheiro. Resolvi que o interceptaria na volta para pedir algumas satisfações pela sua conduta. Enquanto eu estava na vigília, preparado para o embate, chegou outro campista nos perguntando da viagem e nos apoiando. Isso me desarmou pos alguns instantes, mas logo que ele se retirou cuidei de observar os banheiros. Lá dentro, o bêbado vomitava, segundo me disse o Estêvão que esteve por lá. Pensei ironicamente "coitadinho..." e fiquei aguardando a sua saída. Mas ele permaneceu por muito tempo, meus colegas já estavam prontos, então resolvi deixar a coisa como estava. Na nossa saída, conheci Artna, o proprietário do Camping, um cara que nos deu o maior apoio, e pediu para que fizéssemos contato para que nos encontrássemos na Estrada Real, pois ele sairia em breve com seu trailer. Assim, deixando de lado uma conversa que provavelmente resultaria em uma confusão que envolveria o camping e Artna, pude conhecer um cara com muito conteúdo, e muito a ensinar.


Vou receber o candidato com água fervente

Após passarmos pela Serra da Bocaina, chegamos a Cunha. Sentei-me ao meio-fio na entrada da cidade, e uma mulher, catadora de recicláveis, me falou "vou receber o próximo candidato com água fervente". contou-me que tem duas crianças, e tinha um emprego durante doze anos como gari da prefeitura, quando o novo prefeito a mandou embora para contratar os seus partidários. No meio do ruído dos caminhões que passavam sequer pude saber o seu nome, mas disse-lhe que contaria dentre outras histórias a sua, então aí está. É mais uma história, de como funcionam as coisas para tantos anônimos que existem por aí.


A Ciclista

Estávamos em Itanhandu, quando percebemos estarmos perdidos nos deparamos com uma mulher, estava dando aulas de moto-escola, antes que pudéssemos perguntar algo ela nos interceptou dizendo que gostava muito de pedalar. Pediu para esperarmos uns minutinhos que ela estava terminando o seu trabalho, e então logo conversaríamos. Ao final, ficamos em uma pousada por lá mesmo, e conversamos melhor com ela. É a Luisana, ciclista de coração, que acredita e investe no ciclismo, cicloturismo e competições. É mais uma amiga que fizemos no trajeto.


O Pesquisador

Quando chegávamos a Carrancas, eu e o Nelson pegamos um trajeto diferente do Estêvão, que ia mais à frente. Apesar do risco de não nos encontrarmos mais, nos deparamos frente a frente, ainda cada um tenha entrado na cidade por um acesso diferente. Tentamos chegar ao camping indicado por um motorista que passou por nós e parou para conversar, mas as indicações que nos deram na cidade nos levaram a outro camping. O Camping da Toca, seu proprietário é o Marcelo. Um homem com uma fala mansa, aparência de caipira, mas com uma articulação e lucidez impressionantes. É pesquisador, foi contratado pelo governo federal para mapear a ligação da Estrada Real com o Bonito, no Mato Grosso do Sul. Daí, pode-se imaginar a qualidade da conversa e das infomações que recebemos.


Algumas das histórias acima são apenas rabiscos, aqui na Lan onde estou postando a condição é precária, mas em breve estarei com mais novidades.






segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Na Estrada Real

Hoje cedo partimos de Parati, e estamos em Cunha, São Paulo. Estávamos já no Rio, mas pegamos ainda uma partezinha ainda de SP. Tiramos muitas fotos, filmamos bastante, tenho várias histórias para contar, mas no momento não há condições de pôr no blog. Espero que nos próximos dias consiga postar com mais calma. Peço para quem puder que acompanhe também os blogs relacionados, que são dos meus companheiros de viagem Nelson e Estêvão, pois estamos trabalhando de forma complementar. Abraço aos amigos, em breve trarei mais notícias.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Em Bauru

Após 5 dias de viagem, percorremos 854 km entre Foz de Iguaçu - PR e Bauru - SP, onde estamos hospedados na casa de parentes do Nelson. Segunda-feira 18, devemos partir em direção a Limeira, onde está nos aguardando o Estêvão, que nos acompanhará no trecho entre Parati e Diamantina. Contarei neste post apenas breves impressões da viagem, então fugirei daquele formato de relatório.

A viagem até Bauru foi tranqüila, apesar da quilometragem alta e alguns dias de chuva e vento contrário. É chato acordar de manhã cedo com chuva e ter que partir mesmo assim, mas lembrando do calor que passei na viagem até Foz, percebi que a chuva e o vento não eram tão ruins. O incômodo foi com minha bagagem, o alforje não deveria empoçar água, mas fiz uma tentativa de impermeabilização que não deu certo, então a água entrou e não tinha por onde sair. Apesar do meu cuidado em embalar e lacrar objetos com fita, ainda assim alguns ficaram imersos na poça, isso aconteceu por exemplo com minhas pilhas recarregáveis, as quais ainda não testei após o episódio. Mas as pilhas não deveriam estar no alforje, e sim junto com os demais eletrônicos, seguros em minha bolsa de guidão, ainda que lá também tenha acumulado alguma umidade apesar da capa de chuva própria.

No primeiro dia, estávamos na estrada e cruzamos por uma carroça. O carroceiro brandia o chicote no ar para "estimular" o cavalo a prosseguir. Quando ultrapassamos a carroça, o cavalo deu uma arrancada, parecia querer nos acompanhar, talvez ir embora, mas logo sentiu o peso da carroça e retomou o seu ritmo. Mais além paramos para almoçar, e pela tarde prosseguimos. Vários quilômetros adiante avistamos uma carroça, achamos que não fosse a mesma devido à distância percorrida, mas era ela mesma. Falamos rapidamente com o carroceiro, ele vinha de Hernandarias, no Paraguai, rumo a Cascavel, no Paraná. - "É chão hem?" - disse Nelson ao carroceiro, considerando os mais de 150 km de distância até o seu destino. Percebíamos a difícil situação do cavalo, e depois do breve encontro fomos pensando se ele realmente chegaria ao seu destino, distante ainda 50 km, possivelmente sem água e comida, pois não víamos pastagens ou água na beira da estrada. Nos outros dias fiquei pensando se o animal ainda permanecia vivo.

Em outro dia, após almoçarmos em um restaurante na beira da estrada, estávamos descansando. O Nelson cochilava sentado em uma cadeira, e eu estava no mesmo caminho, quando percebi um menino se aproximando, muito discretamente para observar as bicicletas. Fiquei quieto, como estivesse dormindo, e ele se escondeu atrás de um pilar em minha frente. - " BUU" - dei-lhe um susto, isso quebrou o gelo e ele sentou-se comigo a bater papo. Tinha uns 6 anos, estava trocando ainda os dentes da frente, e contava as suas peripécias. Contou que gostava de empinar com a sua bicicleta e por isso estava proibido de usá-la, e também gostava de andar de balanço de cabeça para baixo. Dito isso, foi-se para o balanço que havia por perto. Sua mãe, percebendo o sumiço do garoto, foi resgatá-lo, sabedora das suas imprudências. Como ele continuasse às voltas conosco, ela contou-nos que o menino era difícil. Ela, brava, disse ao filho: "conte o que você fez com o seu cavalo!". Ele fez uma cara que misturava o constrangido com o sapeca. Ela insistiu, e ele, nada de falar, só olhava com aquela cara. Então eu lhe disse: "você andou com o cavalo até ele morrer", e ele então confirmou.

Disponho de pouco tempo para postar agora, por isso coloquei apenas algumas coisas que me fizeram pensar. Em breve, mais notícias.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Segunda Etapa: Foz do Iguaçu - Parati


Nesta próxima segunda-feira, dia 11, iniciaremos a segunda etapa da viagem. São aproximadamente 1400 km, que deverão ser percorridos em 9 dias. O mapa acima mostra, além do percurso até Parati, o restante do trajeto no Brasil.

Passei duas semanas hospedado com Nelson, quem eu conhecia unicamente de fóruns na internet. Esse foi um período de entrosamento muito importante, pois essas impressões mútuas podem prever o sucesso ou prevenir o fracasso de uma viagem desse tipo. Por isso, havia uma mútua expectativa de saber quem seria o outro, que talvez tivesse que ser "suportado" até o final da viagem. Antes de conhece-lo pessoalmente, eu já tinha em mãos a planilha que preparou contendo a altimetria e os pontos de pernoite. Tive medo que essa meticulosidade mascarasse uma personalidade ansiosa, que poderia perturbar a viagem, mas pelo contrário, conheci um cara calmo e decidido. Outra possível incompatibilidade seria o ritmo de cada um, mas após andarmos alguns quilômetros, já vimos que temos a mesma pedalada, então não haverá o problema de um ter que esperar o outro. Definimos que não há a obrigação de cumprir o percurso diário estabelecido, considerando eventuais dificuldades que se apresentarem.

Nesses dias aqui, conheci enfim Ciudad Del Este. É um movimento como eu nunca havia visto. Depois de penar para atravessar uma rua, observei como o pessoal faz: vão atravessando sem olhar muito, na diagonal, então os carros vão freando e as motos desviando... não se ouve um xingamento ou buzinada. Há buzinadas, mas não para pedestres, e sim para as vans que param no meio da rua para fazer carga e descarga (na verdade, só vi fazerem carga, mas enfim...). É difícil de entender como não há acidentes, eu mesmo tomei alguns sustos. Mas nos últimos dias eu já andava igual ao pessoal de lá, inclusive já atravessei a ponte de bike. Senti uma segurança maior do que sinto no centro de Porto Alegre, cidade onde vivi por mais de 30 anos.

Conheci alguns ciclistas daqui, e também o pessoal do BMX, eis o blog da galera: http://fozbmxinsanos.blogspot.com/



domingo, 3 de janeiro de 2010

Você está pagando promessa?

Dessa vez fui eu quem perguntou. Foi para Leandro, recém chegado do Rio após uma semana de bike. São quase 2.000 Km, o que dá uma média de quase 300 km por dia. Ele me respondeu que não era promessa, gostaria de poder ir num ritmo mais tranqüilo, mas é esse o tempo que ele tinha disponível para ir até Foz, ficar um dia para conhecer a cidade, e em seguida embarcar num vôo para retornar ao seu serviço.

Ele vinha mantendo um bom ritmo na viagem, mas em alguns trechos não conseguiu alcançar a meta, e quando faltavam apenas 300 km para o seu objetivo, optou por tomar um ônibus, para que pudesse ainda no outro dia conhecer as Cataratas e as cidades da tríplice fronteira: Puerto Iguazu na Argentina, Ciudad Del Este no Paraguai, e Foz do Iguaçu, no Brasil.

Fui o seu guia turístico, apesar de conhecer pouco por aqui, mas seguimos as orientações do Nelson (que estava trabalhando) e tudo correu bem. Nesse dia pedalamos apenas uns 100 km, o que seria um refresco para o Leandro, não fosse o forte calor que o surpreendeu, ainda que estivesse acostumado com as temperaturas no Rio de Janeiro. Refrescamo-nos com uma cerveja num barzinho na Argentina, e uma porção de “papas”, para voltarmos à noite, com temperatura mais amena.

Hoje pela manhã partimos de bike eu, Nelson e Leandro, para o aeroporto, a aproximadamente 20 km. de distância, desmontamos a sua bike, a embalamos e nos despadimos. Ficou acertado de nos encontrarmos novamente quando passarmos por Paraty, de onde iniciaremos o caminho pela Estrada Real.


Blog

Inicialmente, me propus a relatar as minhas impressões da viagem e publicar imagens. Tirei algumas fotos, e cada uma tem uma história, mas estou com dificuldades para colocá-las no blog acompanhadas de um texto explicativo. Estou postando em lan-house, o que dificulta o meu estudo das ferramentas do blog, por isso peço a compreensão dos leitores pela escassez de imagens, espero em breve resolver o problema.

Em algumas postagens, tomei a liberdade de sanar alguns erros. Não irei alterar aqualquer postagem na sua essência , se for o caso de aprofundar, escreverei um novo texto.