terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Primeira etapa concluída

Optei por fazer essa postagem em formato de memorial, pois logo virão novas informações e muitas poderão ser esquecidas. Por isso algumas passagens podem dizer pouco para os leitores, mas são lembretes para que eu possa retomar a situação ali vivida, quando houver mais tempo.
Após uma semana de viagem, com cerca de 950 km pedalados, cheguei a Foz do Iguaçu. A viagem toda transcorreu sem problemas, apenas passei por alguns trechos muito cansativos.
Minha partida, da Praia da Pinheira, foi às 10:30 hs, sob sol forte. Logo de saída, perdi o meu casaco corta-vento que ia preso sobre o alforje. Nesse primeiro dia rodei 120 km, e passei por uma serra com 1.250 metros de altura. Mexi no selim algumas vezes para melhorar o desconforto que surgia na musculatura sob os ísquios. Após procurar muito um local apropriado para acampar, parei já à noite na entrada de Alfredo Wagner, em um posto de gasolina. Fiquei nos fundos de um restaurante, era um estacionamento de pedras e chão batido, irregular, inclinado, quente... mas a outra opção era um gramadinho mínimo, embaixo do viaduto, conforme sugeriu o dono do restaurante. Quando terminei de armar o acampamento e me recompor, o restaurante já estava fechado, então jantei granola e algumas nozes que portava, e fiquei só no banho de paninho. No meio da noite saltei da barraca, devido ao calor que emanava do chão e fui para o relento com o isolante térmico (no caso, para não passar o calor do chão para o meu corpo) e um saco de dormir leve. Apesar de haver um segurança no posto, ainda assim dormi com um olho aberto e o outro fechado, e pela manhã acordei com um cachorro xeretando minha comida.
Seguindo o meu roteiro, passaria por um trecho sem pavimentação, de 45 km Percebi algumas mudanças climáticas, algumas tempestades passando próximas e me molhando um pouco, mas estava refrescante, apenas havia vento contrário em alguns trechos. Havia algumas subidas curtas, a pista relativamente lisa com "pedrisco", que são pequenas pequenas pedrinhas soltas, na verdade brita moída, do tipo que se usa na composição do asfalto e se vê pelos acostamentos. Ao final do dia, já bastante molhado, fiquei num posto de gasolina onde conheci o Marcel, ciclista que pedalava de speed, e conversamos sobre o próximo trecho que eu pretendia fazer, entre Taió e Santa Cecília. Ele me desaconselhou, ainda mais com a bagagem que eu levaria. Mas conversando, chegamos àquela conclusão de que alguns preferem asfalto, outros estrada de chão, e todos são felizes assim. Claro que eu pensei: “ah, ele pedalava de speed, mas na Mountain Bike subo no disquinho” (relação de marcha mais leve, tipo caminhão em primeira)... que nada, dias depois me contaram que lá é um dos trechos mais temidos pelos ciclistas da região. Enquanto eu escorregava nas pedras de 1 a 2 kg que compunham a pista de rodagem, as dores apareciam em vários pontos: pescoço, ombros, costas superior e inferior, pernas e bunda. Mas não onde já doía, era uma espécie de cãibra na musculatura do “step”. Foram horas empurrando 14 km montanha acima, e nesse tempo questionei várias vezes os meus objetivos, pensando como seria ainda pela frente nos próximos meses. Resolvi que era o momento de começar a usar a raiz de fáfia.
No meio daquela garoa finíssima, plantas e insetos estranhos, me senti no próprio Elo Perdido. Durante a subida, bebi mais de um litro da água que corria pelos paredões, e também constatei que a garoa fina e densa era uma nuvem. No topo, lugar que deveria ser magnífico, encontrei destruição e lixo. Mas isso à beira da estrada, porque mais adentro, a floresta é imponente entre as nuvens. Antes da minha descida, eu percebia uma modificação drástica do clima. De um minuto para o outro, aquela umidade sumiu e tudo mudou. Tornou-se um verdadeiro deserto, tomado de lavouras e mato seco. Eu saíra do Elo perdido direto para o cenário desértico de Guerra nas Estrelas, ou do Planeta dos Macacos. Já passava de meio dia e a minha água, já morna, estava prestes a terminar, e não havia nada nem ninguém pelo caminho. Eu já tinha dúvidas de se estava na estrada certa, pois havia passado por uma bifurcação a uns 15 km atrás, e se estivesse errado minha situação seria delicada, isso me deixava tenso. Mas lá adiante avistei os caminhões passando pela BR 116, então eu estava próximo à Santa Cecília. Já decidira que pararia no primeiro local apropriado, pois não havia mais condições físicas para continuar, embora fossem apenas 13.00, e eu tivesse percorrido apenas 80 km, No restaurante que parei, dentro de um posto na entrada da cidade, havia dois meninos, de 6 e 8 anos, com suas bicicletas. Almocei conversando com eles, sobre as nossas peripécias, me contaram que já participam de provas ciclísticas promovidas por uma bicicletaria da cidade. Falei com um funcionário do restaurante, sobre colocar a barraca por ali, ele disse que a dona do posto era chata e podia não deixar, mas se falasse com o dono, ele deixaria. Preferi evitar confusão e segui para outro posto a seis quilômetros dali. Após uma refrescante pancada de chuva, comprei um abacaxi para o lanche, e uma câmara de ar para estepe, pois carregava apenas remendos. Menos de um km adiante, acertei uma pedra e usei a referida câmara. Fui até o posto que fica no entroncamento para Lebon Régis, e me instalei em um mato de pinus ao lado do restaurante que tinha lá. Senti-me seguro, pois do outro lado da pista havia uma “Boite”, assim dizia a placa, e ao meu lado uma borracharia 24 hs. Naquela região vi muitos caminhões carregados de porcos, percebi também que há muitos frigoríficos por lá. Vi dois caminhões parados ao lado do meu acampamento, com porcos amontoados e guinchando, enquanto os motoristas almoçavam uma boa chuleta na chapa.
No quarto dia, saí de Santa Cecília em direção à BR 153, rodovia Transbrasiliana. Passei por Lebon Régis, almocei em Caçador e fui em direção ao trevo da BR 280, distante 30 km de Horizonte. Não havia trânsito ou casas. Numa pancada de chuva, parei numa clareira mais afastada onde tinha alguns pedaços de madeira, cobri a bike e a bagagem e tomei um bom banho de chuva, invocando força e proteção. Quando passou a chuva, saí de lá e logo percebi a falta de meus óculos. Quando retornei lá, vi meus óculos, e vários cacos de garrafa, inclusive um fundo cortante para cima, no lugar onde eu andava descalço. Segui viagem, e no meio do nada vi uma placa no papelão escrito com giz “vende mel no bar” já parei por lá. Saiu uma senhora, não estava com uma cara muito boa. Seu nome é Carmem, logo que começamos a conversar ela perguntou se eu estava pagando promessa. Eu disse a viagem  tem algum significado que ainda não sei, mas não é promessa. No fim, ganhei um bom desconto no mel e até uma bênção. Já na Transbrasiliana, segui até o trevo para a BR 280 e fiquei num restaurante, único ponto para parar nas proximidades. Fiquei ao lado do restaurante, numa parte coberta e bem ventilada. Nesse dia rodei 148 km.
No quinto dia, fui até o trevo de acesso a Pato Branco, numa distância de 148 km. Muitas plantações, muito movimento de carros (véspera de Natal) e trechos com acostamento ruim. Passei uma noite agradável ao lado de um restaurante que fechou mais cedo para as comemorações, quem atendia era um casal e sua filha. Conversamos, e eles contaram que já acamparam outros cicloturistas por lá, falaram de dois alemães.
No sexto dia fui até Capitão Leônidas Marques, distante 158 km. do meu acampamento. Parei para almoçar em entre Francisco Beltrão e Sta. Isabel do Oeste, perto do Posto Panorâmico. Primeiramente, parei num estabelecimento à minha direita, as pessoas estavam almoçando, devia ser um almoço familiar, afinal era Natal, mas como o quiosque estava aberto eu não tinha como saber. Ficaram todos me olhando com uma cara que quem não sabiam se ficavam parados ou fugiam, deviam ter me achado muito estranho. Saí dali silenciosamente e fui até o restaurante do outro lado da pista, mas era uma vistosa Churrascaria, onde as famílias almoçavam nos feriados, e não um posto de caminhoneiros. Mas não havia muita escolha àquela altura, pois passei por muitos restaurantes fechados devido ao feriado. Enquanto eu me recompunha, veio conversar comigo o Luiz, homem entre 60 e 70 anos, freqüentador do restaurante. Falamos sobre a viagem, e então ele me disse: “fale com o Tesser que ele paga o teu almoço”. Eu disse a ele que não o faria, pois não me sinto à vontade para isso, falei também sobre o porquê de não ter procurado patrocínio para a viagem. Quando saí do banheiro ele me abordou e disse: “falei com a menina do caixa, ela disse que está tudo bem”. A menina do caixa é a Alana, com quem conversei depois, e é filha do proprietário. Falei também com o Rosálvaro, que atende no estabelecimento, foi ele quem me disse da fama daquela estrada entre Taió e Santa Cecília. Ele praticava Mountain Biking e parou devido a outras atividades, mas espero que retome. Saí de lá, rodei alguns quilômetros e comecei a pensar na minha água, que já estava acabando. Passando por Lindoeste, avistei uma tenda de frutas, e pedi água de côco. Quem atendia lá era a Maristela. Também me perguntou se eu pagava promessa, e ao final me deu de brinde o côco que eu queria comprar, e mais algumas ameixas. Após, parei ao acaso em um posto de gasolina para comprar água, e me deparei com uma bicicleta pendurada, com alforjes e bandeiras, foi de um cicloturista que pedalou mais de 200.000 kms e entrou para o Guiness Book. Perguntei por ele, onde estava. Seu nome era Manoelito Silva, morreu ano passado de hepatite, me disseram. Saí pensativo a pedalar, quando estava quase chegando em Capitão, um motociclista com carga, que pilotava em uma posição quase deitado uma moto "cross" que não identifiquei, me cumprimentou e passou. Já era noite e não convinha continuar na estrada, apesar de ser necessário andar um pouco mais para poder encerrar a viagem no próximo dia. Parei em um posto e encontrei o mesmo motociclista que antes me cumprimentou. Conversamos, ele está fazendo uma rota pela América Central e do Sul. É o Vanderlei, está relatando a sua viagem no blog byvande.blogspot.com.
Dia 26, uma semana após a minha partida, saio de Capitão Leônidas Marques em direção à Foz do Iguaçu, a uma distância de 190 km. Não segui pelo roteiro inicial, que passaria por Capanema, pois fui informado que aquela estrada que corta o Parque Nacional do Iguaçu está fechada. Depois o Nelson explicou o motivo para o fechamento, isso foi para preservar a floresta, pois por essa estrada escoaria a produção de grãos, que fatalmente brotariam na mata e mudariam o ecossistema. Andando sob o calor forte, parei para almoçar em um restaurante, quando um casal de motociclistas que iam para o Atacama observou meu pneu dianteiro gasto. Olhei e achei que com ele ainda chegaria ao final da viagem, mas com isso fui revisar o traseiro, e espantei-me ao constatar seu estado lastimável, já arrebentando, com a fita anti-furos interna servindo já de banda de rodagem, o pneu mantinha-se ainda apenas com algumas poucas fibras. Troquei o pneu traseiro pelo dianteiro, diminuí a pressão, e passei uma fita silver-tape para continuar os 80 km finais. Cheguei em Foz, e fui recebido pelo Nelson, experiente cicloturista. Conversamos um pouco, e logo percebemos que o pneu estava vazio. Mas isso não importava, pois eu já havia chegado.
Tirei algumas fotos, mas com o celular não ficaram boas. Para a próxima etapa, teremos uma boa Câmera e uma filmadora. Abaixo, algumas fotos selecionadas













sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Primeira etapa: Praia da Pinheira - Foz do Iguaçu.


Esta é a primeira etapa da minha viagem, dividi o percurso de 902 km em oito trechos. Parto amanhã da praia da Pinheira, em Santa Catarina, para chegar em Foz do Iguaçu, no Paraná, e encontrar o companheiro Nelson para seguirmos viagem. Não sei das condições da estrada, conheço apenas o primeiro trecho, mas tenho informações de que o último trecho está em boas condições, conforme disse o Nelson. Creio que levarei uma semana de viagem.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Previsão da partida

Está chegando a hora. Minha partida coincidirá com o passeio ciclístico promovido pela Titânio Cycles e Armazém Cumbatá. O Titânio, que há muito falava em promover um evento desses, me convidou a participar e dali iniciar a minha viagem. Então, partirei nesse próximo domingo, 20 de dezembro.

Ainda não falei de minhas expectativas e motivação para a viagem, e acho que também não será desta vez. Não encaro como um desafio, embora já espere o calor forte nos trechos mais puxados, onde rodaremos de 150 a 200 km por dia. Mas sei que posso, e levo o necessário para minha manutenção e da bike. Também estou garantido para o frio de até -20º que posso encontrar no altiplano.

Tenho postado apenas sobre acontecimentos triviais, alguns aparentemente sem relação com a viagem, mas que farão parte dessa construção. Ou destruição, depende do ponto de vista. Dizia o Professor Paulo Albuquerque, titular da disciplina Sociologia da Educação, que a seu ver o acadêmico sai da universidade não "formado", mas sim "deformado".

Ainda não sei o que procuro, mas o que eu encontrar refletirá nessa construção, ou destruição.